quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Verdades que serão folclore

No ano de 1960, já proprietário da fazenda Lajedinho em América Dourada, então Vila da Comarca de Irecê, fui convidado para assistir a um jogo de futebol entre as equipes de América e da Lapinha, povoado próximo. Como era a única distração local, compareci. Começou o jogo e o time local terminou o primeiro tempo com a vantagem de 3 a 0.
O time da Lapinha se reuniu, conversou, mudou a estratégia do jogo e entrou em campo para o segundo tempo com todo o time no ataque, deixando a defesa desguarnecida. O time de América Dourada aproveitou e fez 4,5,6,7,8, a 0. Então o time da Lapinha recuou mas o adversário, no embalo, fez o nono gol. Naquele momento o goleiro pegou a bola e saiu correndo em direção do povoado, sob as vaias dos espectadores. Como não entendi o porquê daquela fuga do campo, perguntei a Sandó, diretor do time local, e ele me explicou: “há um acordo entre os times que, se um perder de 10 gols, é obrigado a entregar a sua bola ao adversário... e aquela bola pertencia ao time visitante.”
Mas Feira de Santana também teve seus astros em todos os campos da incultura. Quem não se lembra daquele velho bondoso e rico, João Mamona ? Corpo avantajado, voz alta e grave, belo anel de brilhante, charuto entre os dedos e um largo sorriso. Exportador de fumo, tinha todas as qualidades boas, mas era inculto. Resolveu candidatar-se a uma cadeira na Câmara de vereadores, o que foi bom para os estudantes e amigos que não se cansavam de fazer perguntas, vez que nos comícios ele só aparecia para cumprimentar o povo. Um dia, ele contou ao velho Otavio Nogueira que o povo de Feira ia ter uma grande surpresa quando chegasse a “tamancada” de votos da Paraíba para sua eleição, pois tinha muitos amigos em Campina Grande e estava pedindo os votos de lá. Os votos não vieram, mas ele elegeu-se vereador com os votos do povo de Feira que gostava do bonachão que existia nele. A eleição foi fácil, mas fazer discurso ou defender um projeto, não era coisa que soubesse fazer. E nunca fez.
Uma vez estava sendo discutida a mudança ou não do delegado local. Quando os ânimos estavam exaltados, João Mamona levantou e falou bem alto: “Eu quero um aparte!” – Silêncio de profunda surpresa, que ele quebrou dizendo “Incelências, vocês tão perdeno tempo. Delegado é que nem varão de porteira: se tira um e se bota outro”. Estava interrompida a discussão. Afinal era o primeiro pronunciamento do “ilustre” vereador. Tudo acabou em gargalhadas, cumprimentos e abraços ao novo orador.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Av. Senhor dos Passos acordou mais triste...

Eis a Avenida Senhor dos Passos do meu tempo, e que hoje acordou mais triste ao se encontrar sem a sua maior admiradora, a nossa querida Irma Amorim.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Grandes Filarmônicas de Feira

Feira de Santana já teve dezenas de Clubes, sendo que dois, Melindrosas e Filhos do Sol se destacaram desde o início do século até 1940 quando se firmou a Micareta e surgiu a fundação do Tênis Clube em 1946.
Mas as três Filarmônicas feirenses fizeram história. Criadas com o objetivo cultural de desenvolver a arte da música ao nível do Teatro e Escola de Piano, já existentes, surgiram em épocas distintas, mas muito próximas da primeira a ser criada no Estado da Bahia, Sociedade Filarmônica Erato Nazarena, fundada em 1863, cinco anos antes da primeira em Feira de Santana:
A Sociedade Filarmônica 25 de Março foi fundada em 25 de março do ano de 1868 pelos senhores João Manoel Laranjeira Dantas, Eduardo Franco, Afonso Nolasco, Antonio Joaquim da Costa, Alípio Cândido da Costa, José Pinto dos Santos, Joaquim Sampaio, Francisco Costa, Galdino Dantas, Juvêncio Erudilho, José Nicolau dos Passos, Alexandre Ribeiro, Joviniano Cerqueira, Pedro Nolasco Néu e Tibério Constâncio Pereira. Cinco anos depois houve um desentendimento entre os membros da diretoria e criou-se uma dissidência.
Como o Padre Ovídio Alves de São Boaventura se encontrava fundando a Sociedade Filarmônica Vitória, os dissidentes da 25 de Março juntaram-se ao Padre e, em 1873, foi criada mais uma Filarmônica, a Vitória, sob a regência do Sr. Manoel Tranquilino Bastos.
Quarenta e oito anos depois, em 17/12/1921 o Cel. Leolindo Ramos Junior, juntamente com Lídio Barros, Anacleto Mascarenhas, Mestre Porcinio, Álvaro Lima e outros fundam a Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense. Mas é o Sr. Hermínio Santos, sócio da firma Marinho, Santos & Cia., quem, com seus próprios recursos, a manteve durante a sua vida, legando-lhe ainda parte dos seus bens imóveis. Foi o grande baluarte, o líder perpétuo.
A Sociedade Filarmônica 25 de Março, 59 anos depois de fundada, por questões internas, dissolveu o corpo musical e fechou suas portas. E assim ficou até 1931 (04 anos) quando o Cel. Américo de Almeida Pedra, voltou a residir em Feira de Santana. Foi então que o velho herói das lutas horacianos na Chapada Diamantina e combatente contra a Coluna Prestes, convocou os velhos companheiros como Antonio Cipriano Pinto, Alfredo de Castro, Euclides de Souza Pinto, Alfredo Pereira, Argemiro Souza e o Maestro João do Espírito Santo, com os quais constituiu uma diretoria, tendo ainda a colaboração dos homens de destaque de então: Arnold Ferreira da Silva, João Marinho Falcão, Raul Ferreira da Silva, Heráclito Dias de Carvalho. Carlos Rubinos Bahia, Adalberto Pereira, Dálvaro Ferreira da Silva e tantos outros que faziam parte da elite feirense. Juntos soergueram a primogênita Filarmônica de Feira.
Vale destacar que essas três filarmônicas tiveram grandes Maestros compositores como os Professores Estevão Moura da 25 de Março, Tertuliano Ferreira Santos da Vitória e Álvaro Lima (Vovô) da Euterpe, que alem de ensinar a Música e a arte dos instrumentos musicais, ainda compunham músicas das mais diversas categorias.
Pena que já não temos homens do quilate dos nossos antepassados, com honrosas exceções, capazes de lutar por aquilo que foi tradição da nossa gente. Certamente vamos ser obrigados a pedir a uma Filarmônica de outra Cidade que venha tocar a marcha fúnebre no sepultamento das nossas centenárias filarmônicas.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Antiga Estação Ferroviária

A história é costurada como uma colcha de retalhos. O dia a dia é vivenciado por milhares de pessoas em uma mesma cidade porem cada um vive os momentos de forma diferente do outro. Posteriormente cada um conta um pouco do que viu e depois o historiador junta tudo e dá vida a história. De cima dos meus quase oitenta anos de vida, é natural que goste de falar do longínquo passado.
Na minha infância, na década de 30, Feira de Santana tinha uma grande Estação Ferroviária que, por faltas de rodovias, (em 1930 só existia um carro em Feira) tornara-se o principal meio de transporte de passageiros, cargas e gado, e o
ponto chave do comércio. Situada no fundo da Igreja Matriz (hoje Catedral), quase no centro da Cidade, tinha seus movimentos acompanhados pela comunidade, a qual identificava, pelo apito da máquina, se era trem de passageiro ou carga. Duas ou três vezes por semana saía uma composição com passageiros para Cachoeira, como outras tantas vezes vinham de Cachoeira.
Durante o dia animais de carga e carroças levavam e traziam cargas, vaqueiros embarcavam e desembarcavam gado, enquanto aqueles que tinham o tempo livre, principalmente estudantes que faziam dali um ótimo local de lazer. Era como se fosse uma rodoviária atual, onde alem de passageiros, desembarcassem e embarcassem cargas e animais, sem outro local de escoamento. Nos dias de segunda-feira os trens chegavam carregados com gente, mercadorias, porcos, galinhas e toda produção de Tapera, Magalhães, São Gonçalo, Conceição da Feira, Cachoeira e São Felix. Era uma festa!
Eu, além de um assíduo freqüentador mirim, sempre levava no bolso um bodoque de caça, vez que os fundos da Estação eram um matagal onde as pombinhas costumavam relaxar a vigilância. Foi em uma dessas caçadas que testemunhei um triste acidente na ferrovia:
Era uma ensolarada tarde de verão e eu acompanhava as manobras que uma máquina fazia na substituição de vagões carregados, quando surgiu uma “calanga” verde, com um comprido e lindo rabo dourado. Ela tinha uma maneira elegante de andar, com um harmônico ondular do rabo. Alguns metros atrás , com a cabeça apoiada no trilho da estrada, um galante calango não perdia os movimentos daquele maravilhoso rabo dourado. Tão absorto estava que a roda da locomotiva surpreendeu-o decepando-lhe a cabeça. Pobre calango: POR CAUSA DE UM RABO BONITO, PERDEU A CABEÇA...

Obs: A Fotografia da Estação Velha é dos idos de 1930 e foi copiada do acervo de Tiago Santiago - Memória da Feira.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Acervo Fotográfico "Memória da Feira"

Recebemos uma mensagem do amigo leitor Tiago Santiago que transcrevo abaixo na sua íntegra:

"Caro Antônio do Lajedinho, fiquei surpreendido pela qualidade do seu blog. As sua memórias dariam um livro meu amigo! Igualmente a você, me interesso pela história e estórias da antiga Feira, de tal modo que há algum meses venho tentando disponibilizar à comunidade (via web) um acervo de fotografias que coletei durante a elaboração de uma pesquisa. Inicialmente criei um website destinado a compartilhar estas fotos mas por questões logísticas não deu muito certo. Agora estou disponibilizando-as via Orkut . Queria saber se você pode me ajudar a divulgar o orkut "Memória de Feira".
http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=16414771127733217066 "

Claro, Tiago! É com o maior prazer que divulgamos o seu acervo e agradecemos pelo tempo dispensado a promover esta verdadeira coletânea de raridades. Vi muitas fotografias inéditas, e ao lado da minha esposa e nos emocionamos ao relembrar figuras inesquecíveis. Obrigado, meu amigo!

P.S - Indicamos aos leitores que copiem o endereço acima citado e copiem no browser do seu navegador. Importante: É necessário que se tenha conta no orkut para acesso das fotografias.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lampião esteve em Feira... de passagem

A década de 30 chegou no rastro de muita violência política: Coluna Prestes, Coronelismo com jagunços como força dominante, Cangaceiros multiplicando-se em bandos, Revolução de Getúlio, depois a Revolução de São Paulo (Constituinte), Intentona Comunista, nascimento e morte do facismo (Integralismo), Estado Novo etc. etc.
Mas, na vida corriqueira da Cidade, o dia a dia era alimentado por fatos mais próximos do povo, principalmente por aquela violência praticada por Cangaceiros aqui no Nordeste, especialmente pelo Bando mais temido e mais atuante que era o de Lampião, o qual, desde o ano de 1922, crescia em número de cangaceiros e ousadia nos crimes.
Feira de Santana não sofreu diretamente a ação daqueles criminosos por estar muito próxima da Capital e ser considerada uma Cidade grande. Mas, indiretamente, sofreu muito no seu comércio com as Cidades sertanejas, onde qualquer boato afastava os “cacheiros viajantes” das vendas àquelas localidades. Exceção para a região de Morro do Chapéu que contava com o Cel. Antônio de Souza Benta (homem pacifista porem muito destemido e muito mais amado) com
a sua centena de Jagunços permanentes, Nas Lavras Diamantina que tinha no Chefe Cel. Horácio de Mattos a garantia e o respeito de mais de 300 homens armados, o qual dera prova da sua coragem ao perseguir os revoltosos (Coluna Prestes), sitiar uma cidade adversária por 06 meses e posteriormente ameaçar de invadir Salvador, obrigando o Governador a assinar um acordo. Esses foram apenas excessões, como já dissemos.
Na regra geral todo sertanejo, pobre ou rico, sofria, direta ou indiretamente, a violência dos bandidos, hora nas fileiras do cangaço, ora como voluntário nas “Volantes” comandadas por policiais que se igualavam aos bandidos na violência.
Para quem viveu àquela época não há como aceitar a justificativa que Lampião era “defensor dos pobres”, justiceiro, vítima da injustiça social. Concordo com a escritora Helena Conserva quando ela diz a terra que tem filhos ilustres como Agamenon Magalhães não pode homenagear Lampião. Lampião foi bandido e criminoso. Era temido e nunca amado por todas as classes sociais. E isto ficou provado com os festejos no dia da sua morte.
Dias depois de a Polícia ter cortado as cabeças dos bandidos fuzilados no Angico, Sergipe, passou aqui em Feira de Santana, em 1938, um caminhão pequeno da Polícia transportando soldados que levavam as cabeças de Lampião, Maria Bonita, Azulão e outros; cada cabeça ocupava uma lata de 20 lts (própria de querosene) com uns 10 lts de alcool que conservava a cabeça.
Em um gesto de brutalidade, sadismo e ignorância da época, os soldados pegavam pelos cabelos e levantavam a cabeça degolada e dizia o nome do bandido. E a cada grupo de pessoas que chegava e manifestava o desejo de ver a cabeça de um dos bandidos, a cena era repetida.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Saudades das Velhas Músicas

Há uma tendência nata no ser humano em relacionar determinada música a acontecimentos da época. Hoje, em todo o território brasileiro, quando se ouve a música “Peixe Vivo”, ela traz a lembrança do Presidente Juscelino Kubitschek. Era a sua música popular predileta e todos sabiam. Hoje ela divide com Brasília o símbolo de Juscelino. Quem não relaciona o bolero “Besame mucho” com o escândalo do caso Deputado Bernardo Cabral e a Ministra Zélia Cardoso? E naquela eleição que ACM usava vistosas camisas listradas durante os comícios (era moda) sendo logo criticado por seus adversários com o samba “Sossega Leão” que dizia: ...vestia uma camisa listrada e saía por ai/ Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/ Sorria quando o povo dizia, sossega leão!
Como me considero saudosista inveterado, tenho na lembrança uma coleção monumental de músicas que estão relacionadas a alguma coisa da minha vida: a primeira música que aprendi a cantar foi uma marchinha carnavalesca (não me recordo o título) que foi considerada maliciosa somente porque dizia “a lua malcriada quando passa/ espia na vidraça/ dos quartos de dormir.../ zombando dos casais enamorados/ quase sempre descuidados/ ela fica sempre a rir !”
Do primeiro carnaval que, ainda menino, participei, ficou arquivado na lembrança aquela marchinha inocente que falava da lendária história do Pierrô e Colombina: “Um Pierrô apaixonado/ que vivia só cantando/ por causa de uma Colombina/ acabou chorando, acabou chorando...”
A minha estréia no salão de danças, aconteceu no baile da Vitória na micareta de 1937 ao som do samba “Cai,Cai” tendo nos braços a bela Lília Cunha. Naquela mesma noite dancei a marcha “Jardineira” , esta mesma que aparece em todos os carnavais ao lado de “Alá-Lá-ô”, “Mascara Negra” “Está chegando a hora” “Pirata da perna de pau”, “Bandeira Branca” “O cordão dos puxa-sacos” “Os carecas” e tantas outras, verdadeiras imortais da Academia Carnavalesca.
Thai!/ eu fiz tudo pra você gostar de mim/ oh! Meu bem não faça assim comigo não / você tem, você tem que me dar seu coração. Esta música era uma excelente declaração de amor para qualquer moça. Bastava trocar o nome de Thai pelo seu nome. As Marias sempre foram beneficiadas com músicas desde as clássicas Aves Maria (de Gounod e Schubert) até a popular “lata d’água na cabeça”, passando pela saudosa Ave Maria do Morro e “Maria” de Ary Barroso: Maria, o teu nome principia / na palma da minha mão...
Hoje recordo com orgulho de ter assistido no Teatro Municipal do Rio de Janeiro o grande tenor Tito Skipa cantando “Santa Luccia”, “Funiculi,Funicula”, vários trechos de La Traviata , outros de Rigoleto, ambas de Verdi. Foram momentos vividos em um mundo de sonho e êxtase.
Aos tangos argentinos como “Mano a Mano” “La Cumparcita”, “Tristeza Marina”, “Percal”, “Uno” , “Adios Amigos” , “Adios Pampa Mia”, “Cristal”, “Nostalgias”, “A Media Luz”, “El Dia Que Me Quieras” e outros que ora me fogem da memória, eu credito aos intervalos que tínhamos entre um comboio e outro nos portos do sul, durante a segunda guerra mundial.
Mas aquelas músicas como Ai Que Saudade da Amélia, Tenho Ciúme de Tudo, Kalú, Cabecinha No Meu Ombro, Alguém Me Disse, Leva Eu Saudade, Naquela Mesa, Leva Meu Samba, Sempre No Meu Coração, Brasa, Atira A Primeira Pedra, Velho Realejo, Caminhemos, Marina, Fica Comigo Esta Noite, Deusa da Minha Rua, Chão de Estrelas, Maria Helena, Renuncia, Nada Alem, têm um sabor diferente para cada pessoa porque elas representam um momento romântico em cada vida. A minha avó guardava um velho disco de cera de carnaúba gravado com a valsa Facinação. Eu guardo na memória a música que retratava a mulher da minha vida: Normalista. E, há 60 anos guardo também aquela Normalista... em nossa casa.