quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A velhice na opinião de um octagenário

Antes de tudo, para evitar dúvidas, é de bom alvitre esclarecer que existem dois tipos de velhice: a do tempo e a do espírito. Pode-se chegar aos 80 ou 90 anos de idade com o espírito jovem, como se pode ter um espírito velho em plena maturidade. Alguém já disse que “a velhice é um estado de espírito”.
Assim, falarei da minha velhice que, às portas dos oitenta e dois anos, considero-a de espírito jovem. Claro que não se pode confundir espírito jovem com jovialidade física: Espírito jovem é aceitar e participar do progresso, é entender os anseios e desejos dos adolescentes (eles é que não podem nos entender, pois nunca foram velhos) e, principalmente, aceitar a velhice, vendo sempre o seu lado positivo, sem esquecer de cuidar dos encargos que elas nos trazem na parte da saúde. Mesmo assim temos de aceitar os encargos como tributo daquilo que usufruímos na mocidade, e não como um “mal da velhice”.
Aos oitenta anos temos uma enorme bagagem de experiência, adquiridos na vivência do dia a dia em um milheiro de meses de trabalho, observações e reflexões. E nesse período, entre as difíceis lutas pela sobrevivência, as decepções e os pequenos momentos de prazer, é que se forja a personalidade e o caráter do indivíduo. A velhice nos chega tão sorrateira que quase sempre nem a notamos, senão fisicamente.
Amo a minha velhice. Foi nela que aprendi o verdadeiro sentido da felicidade, aquela mesma felicidade que todos buscam pelos mais variados e heterogêneos caminhos, sem notar que a felicidade está dentro de nós, acompanhando-nos em todos os momentos da nossa vida, nas mais insignificantes coisas que fazemos, embora não a sintamos de imediato. Um sorriso, uma carícia recebida ou dada, um panorama da natureza, a fragrância das flores nos campos, um encontro com um velho amigo, um bom programa de televisão, as reuniões de família, uma peça no teatro, uma ajuda que se presta a um necessitado... e tantas coisas agradáveis que nos acontece no dia a dia, são pequeninas gotas de felicidade que nunca arrolamos junto às viagens ao exterior, a alegria de um carro novo, um apartamento, ou uma tarde de compras no shopping.
Foi também na velhice que encontrei toda a perfeição do amor. E quando falo em amor não me refiro às violentas paixões da mocidade nem às efêmeras atrações sexuais. Falo do amor como força suprema que preside todas as causas do ser universal. O amor que nos impele à luta pela vida, em favor dos entes queridos, do mesmo modo que nos faz renunciá-la pelo bem das mesmas pessoas. Falo do amor Onipotente, Onipresente e Onisciente. O amor essência: O Amor-Deus.
A velhice é o prêmio que o tempo confere aos que souberam preservar a vida. E a velhice tranqüila é outro prêmio que a vida oferece aos que souberam vivê-la com dignidade e muito amor.
Na minha velhice a única falta que sinto é do vigor da mocidade, mas consola-me saber que muito mais falta me fez na mocidade a experiência que me sobra na velhice. Infelizmente, o vigor da juventude e a experiência da velhice não se coadunam, embora os velhos dependam dos jovens para fazerem o hoje, como os jovens dependem dos velhos para conhecer como fizeram o ontem, e farão o amanhã.
Para mim a velhice é a gloria de ter vencido a maratona da vida, com o orgulho de ter conquistado o grande troféu que ela me deu: uma excelente família.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

De poeta e Louco...

Não é privilégio das classes dominantes fazer a história. Aliás não é privilégio de quem quer que seja. A história simplesmente acontece e envolve todos e tudo que estejam no seu caminho. Cada momento do nosso passado guardado na lembrança é um pedaço da história íntima de cada um.
Assim como guardo no baú de recordações os nomes dos grandes administradores do Município, Industriais, Comerciantes, Poetas, Músicos, Professores, Jornalistas, fazendeiros e outros contemporâneos, também guardo os apelidos pelos quais atormentávamos as inocentes vítimas das nossas cruéis brincadeiras, como “Ratuim de Igreja”, “Barba Dura”, “Bom no Bife”, “Raposa”, “Fulô de Bredo”, “Seu Cobra”, “Pano de Pegar Panela” etc.. Também não esqueço do folclórico “Benzinho Cadê a Ema”, do politiqueiro “Mário Ferro Velho” ou do perverso “Dobe”.
Há pouco tempo a Prof. Lélia Vítor Fernandes de Oliveira lançou o livro “Cidadãos do Mundo” onde biografou cerca de 170 desses personagens folclóricos de Feira nos últimos 60 anos. O Poeta Alberto Boaventura, em seu livro Estórias e Fatos, fala desses Cidadãos do Mundo. Mas existem outros que vamos tirando do esquecimento. Nesta crônica falarei sobre o mulato que apareceu aqui em Feira, logo depois da seca de 32, dizendo chamar-se Zé Poeta. Como tinha o rosto cheio de manchas bem escuras, logo os estudantes alcunharam-no de “Pano de Pegar Panela”. Como ele reagia furiosamente ao apelido, ficou preso a ele. Mas, como “cada doido tem sua mania”, quando ele se sentia muito acuado pela garotada, depois de proferir impropérios, corria sempre em busca de uma Igreja onde se abrigava e a molecada respeitava o Templo.
Como ele era muito católico, constantemente era visto participando de atos religiosos e adorava cantar as músicas da Igreja. Um dia o “Dobe”, o maior moleque de Feira, filho de comerciante destacado, vendo que o Zé Poeta estava ajoelhado e cantando em um ensaio qualquer, com o firme propósito de molestá-lo entrou também na Igreja e ajoelhou-se no banco que ficavas atrás de sua vítima. No momento todos cantavam: “Meu coração/ é só de Jesus/ a minha alegria/ (Dobe, em vez de dizer é a Santa cruz) disse: é pano de pegar panela....” Naquele momento o Zé Poeta mostrou a sua arte e, sem sair do rítimo, repetiu a estrofe assim; Eu subi na jaca mole/ foi a dura que caiu/ pano de pegar panela/ é a P... que o pariu!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Entre amigos

Ao lado dos grandes amigos Dimas Oliveira (á esq.) e Adilson Simas (á direita)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Santa Casa de Misericórdia

Quando D. Pedro II resolveu visitar Feira de Santana, em 1859, coincidentemente estava em plena atividade o movimento da elite feirense com o objetivo de angariar fundos para a construção da Santa Casa de Misericórdia. Aproveitando a presença do Imperador, uma comissão dirigiu-se ao Monarca e solicitou a sua colaboração para a fundação da Santa Casa. Depois de ouvi-los, o Imperador fez uma doação de dois contos de reis, quantia considerável e que foi decisiva para a fundação, e que levou seus fundadores a denominar a Santa Casa de IMPERIAL ASILO DOS ENFERMOS em 25/03/1865, data da sua inauguração, tendo posteriormente voltado ao nome de Santa Casa de Misericórdia. É oportuno lembrar que o prédio da Santa Casa foi construído antes de 1865 por um fazendeiro, para sua residência, e depois vendido para a Fundação da casa hospitalar que a adaptou para os fins devidos.
Durante quase um século A Santa Casa foi a única casa hospitalar gratuita de Feira, socorro para todos os casos, amparo para todos os doentes da região. Muitos médicos foram atraídos pela casa de saúde, fazendo de Feira um posto avançado de assistência médica na região. O primeiro médico feirense foi Wilson da Costa Falcão, nascido em l918 e diplomado em 1945, quando a Cidade já contava com mais de uma dezena de médicos.
A Santa Casa de Misericórdia, até a década de 50, alem de prestar assistência médico-hospitalar a todos os necessitados, também dava ao seu provedor grande prestígio político, o que fazia o cargo muitíssimo disputado.
O fim da construção do Hospital D. Pedro e a transferência da Santa Casa de Misericórdia para o hospital aconteceu no ano de 1956, no governo municipal de João Marinho Falcão.
Transferida a Santa Casa, o velho casarão abrigou por alguns anos o Batalhão da Polícia Militar e posteriormente ganhou o pomposo título de Palácio do Menor, onde se pretendia abrigar o menor desamparado.
Um século e meio depois da sua construção o prédio está vergado sob o peso da ignorância de uma elite que pensa muito em ganhar dinheiro e esquece da memória de Feira, e de políticos que investem todos os seus esforços no futuro de sua eleição, esquecidos que os seus próprios descendentes, certamente mais cultos, irão julga-los e condena-los pelo descaso, desamor e covardia que os fizeram cúmplices da demolição de monumentos históricos que foram símbolos de uma época gloriosa da Princesa do Sertão.
Ontem foi o Cine Teatro Santana, a “Chácara de Tertuliano Almeida”, o Solar Santana, símbolos da mesma época, que foram destruídos em nome de um progresso que apenas esconde o verdadeiro nome da ganância. Amanhã será o prédio da velha Santa Casa de Misericórdia, a antiga Escola Maria Quitéria, etc. etc.. Em troca abre-se centenas de estacionamentos que dão bons lucros ao dono, quase nenhuma renda para Prefeitura e denegrecem a imagem da Cidade.
Mas a história não perdoa e espero que ela seja rigorosa com essa elite atual que tanto explora a Princesa e destrói a sua memória.
Lembrei-me do deputado baiano Joel Presídio que, em 1951, fez um pedido a Deus para os seus opositores, e vou fazer o mesmo pedido para os gananciosos que desprezam a memória de Feira: “Deus, mandai uma chuva de cangalhas para essa gente!!!”