sábado, 28 de julho de 2012

Pedro Britto e o sacristão jogador

Há muita gente que reclama da solidão. Eu sempre aproveito esses espaços do tempo para evocar as horas agradáveis que vivi, especialmente na época da mocidade, e que permanecem à distância de mais de cinqüenta anos.
Foi em um desses momentos que a lembrança me trouxe a imagem do velho Pedro Brito, cavalgando seus setenta e muitos anos, bem casado com D.Amélia, pai de Dr. José Brito e das Professoras Lourdes Brito Portugal e Margarida Brito de Oliveira. Guarda Livros, formado em Escrituração Mercantil, então aposentado. Como a gente daquela época, adorava a poesia clássica. Ao entardecer, após o banho, tinha por costume vir à porta da rua recitar uma das poesias do seu repertório, principalmente as Pombas – Vai-se a primeira pomba despertada.../vai-se outra mais... mais outra.../enfim dezenas/ de pombas vão-se dos pombais apenas/ raia sanguínea e fresca a madrugada... - Ou Mal Secreto, ambas de Raimundo Correia: - Se a cólera que espuma, a dor que mora? Nálma e destrói cada ilusão que nasce;/ tudo que punge, tudo que devora/ o coração no rosto se estampasse...

Em 1946, estando eu de pé, conversando com Marum (filho de Tutu Cunha), em férias da Marinha, o culto homem chamou-me e, atendido, perguntou-me: Você é um dos filhos de Chiquinho que foram para a guerra? Sim – respondi. Depois de me fazer várias perguntas sobre a guerra, relembrou passagens da primeira guerra mundial e seus estudos em Salvador no fim do século XIX e começo do século XX. Contou-me muitas coisas, inclusive a estória de um Sacristão da Paróquia que era extremamente viciado em jogo e todas as terças-feiras saia com um molho de chaves para arrecadar o dinheiro das esmolas que o povo colocava em um mealheiro encravado em cada cruzeiro, espalhados em todos os pontos estratégicos da Cidade, inclusive em São José e Sto. Antonio dos Prazeres, os mais distantes. Mas o dinheiro estava minguando depois da administração do Sacristão e por isso o padre resolveu seguir à distância os passos do arrecadador. Depois do último posto de arrecadação, em Santo Antonio dos Prazeres, que ficava longe da Cidade, o Sacristão deixou a estrada e acocourou-se à sombra de um cajueiro. Ali espalhou as cartas de um velho baralho e começou a jogar. Sozinho? – Pensou o Padre. Sorrateiramente, por traz do jogador, aproximou-se e ouviu quando ele falava: - hoje vamos jogar 21, Nossa Senhora. E então deu as cartas. Ele saiu com 18 pontos e N. Senhora com 20. Ele pediu cartas para N.S. e esta tirou 5 pontos e perdeu. Depois de algum tempo, quando já havia embolsado mais da metade do arrecadado, declarou: - estás sem sorte N.S : - se ficas perde; se pedes, passa...

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