quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Costumes e Estórias da Vovó

Tive a felicidade de ser bisneto até 1948, quando, às vésperas do seu centenário de nascimento, morreu a minha bisavó Antônia Freitas da Silva. Memória privilegiada, gostava de contar aos bisnetos todas as grandes festas da sua época, o progresso da Vila, sua elevação à Cidade, as festas da padroeira e tudo mais que aconteceu no século XIX e o primeiro quartel do século XX. Até mesmo coisas que aconteceram, como o enforcamento de Lucas, ela nos transmitia o que sua mãe lhe contara, inclusive a vinda de músicos da vizinhança para tocarem na festa do enforcamento e o episódio do carrasco que pulou sobre as costas de Lucas para apressar sua morte, que estava demorando de acontecer.
Falava muito sobre o Padre Ovídio, seu trabalho em criar o orfanato “Asilo N. Sra.. de Lourdes”, fundação de filarmônicas, Montepio dos Artistas e muitas obras de caridade. Falava sobre Antônio Conselheiro e dos feirenses que foram para a famosa Guerra de Canudos.
Mas a lembrança maior daquela velhinha de cabelos prateados e largo sorriso é mesmo das estórias que contava na minha infância. Recordo-me, como se fora ontem, daquele provérbio que ela usava e abusava: “quem bem fizer, pra si é”; e quando perguntávamos o porquê daquela máxima, ela nos contava a estória de uma velha muito pobre e sem forças para trabalhar que morava no meio de uma mata e que, uma vez por semana, aos sábados, ia esmolar na Corte. E a cada pessoa que lhe desse uma esmola, o seu agradecimento era o mesmo: “quem bem fizer, pra si é”. Também para a Rainha dizia a mesma coisa, e esta, sem entender o conceito do agradecimento e já revoltada com aquela sentença, resolveu se ver livre da velha e naquele sábado preparou um pão com manteiga e veneno e aguardou o pedido de esmola, doando à velhinha o macabro presente. Como sempre, a pedinte recebeu a esmola e repetiu a máxima: “quem bem fizer, pra si é”. No domingo, o Príncipe, filho único da Rainha, saiu para uma caçada e perdeu-se no mato. Já era noite quando, acidentalmente, encontrou uma pequena cabana, a morada da esmoler, onde foi bem recebido e orientado sobre o caminho da Corte. Como estava muito faminto, perguntou à velha se não tinha alguma coisa para comer. A velha lembrou-se do pão vindo das mãos da Rainha e entregou-lhe dizendo: foi a sua mãe que me deu ontem. Assim o pão lhe pareceu melhor e logo foi comendo, morrendo instantaneamente. Com a chegada da Rainha junto ao corpo, logo reconheceu o pão que usara para matar a velha e sentiu bem profunda a máxima – quem bem fizer, pra si é; quem mal fizer...

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